Quarto de Reece Grant

Baixei o olhar para ela e fiz festinhas no seu cabelo beijando depois a sua mão que estava entrelaçada na minha.
-Dorme um bocado - pedi vendo Natalie aparecer e sentar-se na cadeira à nossa frente. Suspirei olhando-a e ela cruzou os braços amuada.

Mordi o lábio com um sorriso quando senti os seus lábios na minha mão e aconcheguei-me nele, assentindo.
- Não desapareças.- pedi baixinho e junto dele pouco tardou até adormecer.

Abanei a cabeça ao seu pedido e fiquei a vê-la dormir durante uns segundos.
-Como é que gostas dela? - perguntou Natalie, quando a olhei assustei-me ligeiramente, parecia que o quarto tinha-se tornado num banho de sangue.
-Pára Natalie - murmurei baixinho.
-Deixa-me tratar dela.
-Ela está assustada. Deixa-a em paz, ela não te faz mal.
-Pode fazer a ti - disse levando a mão à sua bochecha e limpando as lágrimas.- Não quero que te aconteça nada de mal. - murmurou baixando a cabeça e desapareceu.

Estremeci, estava frio de novo. O meu corpo tremia involuntariamente e agarrei-me a algo, ainda a dormir.
- Hum...- murmurei ainda de olhos fechados, sem ter a certeza de se ainda estava a dormir ou a sonhar.

Suspirei quando ela desapareceu e olhei para Cleo cobrindo-a com as cobertas da cama e fiz o mesmo a mim puxando-a novamente. Fechei os olhos por uns segundos e com o cansaço acabei por também adormecer.

Abri os olhos devagarinho, esfregando-os da mesma forma. Olhei em volta, apesar de estar um pouco escuro e sorri levemente ao ver Reece a dormir profundamente. Debrucei-me e com muito cuidado para ele não acordar, colei os meus lábios aos seus. Mas que raio andas a fazer Cleo?! Soltei um pequeno suspiro e voltei a deitar a cabeça no seu peito.

Abri os olhos olhando para o tecto e só depois me lembrei que Cleo estava ao meu lado. Passei uma mão pelos meus olhos e olhei-a vendo que já estava acordada.
-Sentes-te bem? - perguntei.

Senti Reece mexer-se e olhei para cima, vendo que acordara. Afastei-me do seu corpo e assenti. Provavelmente continuava a achar-me estranha e como seria de esperar queria o menos contacto possível.
- Sim.- murmurei.- obrigada.

Abanei a cabeça mexendo-me e virando-me de barriga para baixo enfiando a cara na almofada e agarrando-me à mesma.
-Preciso de horas - disse desorientado, normalmente tudo o que me acontecia de estranho era sempre às mesmas horas, e não queria assusta-la mais do que já estava.

Coloquei-me de lado para o olhar melhor e olhei o meu relógio de pulso.
- São onze agora.- murmurei e esfreguei os olhos, enquanto bocejava.- tens alguma coisa para fazer, é isso? Posso ir embora se quiseres.- encolhi os ombros.

Agarrei-me à almofada abafando lá a minha cara e espreguicei-me esticando apenas um braço como se fosse o super-homem.
-Não, não tenho nada para fazer. - parei de me espreguiçar e encostei a bochecha à almofada - quantos dias falta para acabar a semana? - perguntei.

Continuei a olhá-lo enquanto se espreguiçava e mordi o lábio sem que ele conseguisse ver. Eu começava a ter medo do que me estava a acontecer em relação a ele. Suspirei com a sua pergunta e engoli em seco.
- Ainda não mudaste de ideias? - perguntei baixinho.

Olhei para ela quando me perguntou se ainda não tinha desistido da ideia. Abanei a cabeça sentando-me direito a olhar para as minhas mãos.
-Nem por isso.

Passei as mãos pela cara e levantei-me, ajeitando a minha roupa. Mas porque é que ele simplesmente não desistia? Bastava ele dizer-me que não e eu não o matava, porque é que ele não o fazia? Engoli em seco e fixei o meu olhar num ponto qualquer do quarto.
- Tens mais um dia.- murmurei.

Marvin apareceu sentando na cadeira.
-Sabes que ela não te vai conseguir matar - disse-me a mim - ela pensa que tu és humano, quando descobrir quem tu és, vai ser feio - avisou-me - afasta-te. - acho que era a primeira vez que via Marvin tão sério. Baixei o olhar quando vi a forma como tinha ficado.
-Porque é que estás assim? - perguntei. - Pensava que estavas a conseguir o que querias. - falei para Cleo.

Estremeci quando me falou, por estar demasiado distraída com os meus pensamentos, e virei-me para ele.
- Eu também pensava que estava, mas eu não quero matar-te.- engoli em seco.- desiste Reece, diz-me que desistes e eu finjo que não sei o que fizeste à minha irmã.- murmurei.- vai embora e...apenas desiste.

Passei os dedos pela cana do meu nariz e respirei fundo.
-Porquê? - Perguntei - eu matei a tua irmã. Diz-me uma boa razão e eu desisto e continuo a viver a minha miserável e estranha vida. - mordi o lábio - ah, tu queres que eu vá embora? Desculpa mas eu estou no meu quarto.

Aiiii, tantas perguntas. Ele queria tantas respostas que eu não lhe queria dar.
- Eu não te quero matar porque tenho pena de ti, satisfeito?! - quase que gritei, irritada com ele e comigo.- eu não te quero matar.- suspirei.

Baixei o olhar quando ela gritou comigo e Natalie apareceu ao pé de mim com os olhos muito arregalados a olhar-nos.
-Oh não... Reece tem cuidado. - murmurou ela. Quando dei por mim já estava levantado. Olhei para ela engolindo em seco.
-Eu sempre gostei de ti - disse olhando-a e cerrando um punho - e tu aproximaste de mim depois de me quereres matar e de eu te dar várias oportunidades para isso - levantei o meu tom de voz - e agora dizes que só te aproximaste porque tens pena de mim? - perguntei a tremer.
-Então Reece não sejas tão dramático, acalma-te lá, parece que lhe vais bater.
-Eu odeio-te - murmurei. Passei a mão pela minha cabeça querendo desaparecer dali para fora e reprimindo um grito de raiva. Quando olhei em volta já não estava no meu quarto.

Os meus olhos foram-se arregalando à medida que ele ia falando. Ele gostava de mim? Ele gostava de mim?! Mordi o lábio com força e dei por mim a sorrir por ter ouvido aquilo, o que não demorou muito tempo. Estremeci quando começou a gritar comigo e as lágrimas começaram a surgir nos meus olhos. Não, ele não podia estar a dizer-me aquelas coisas.
- Não Reece...- tentei falar mas ele não deixava.- Reece não é isso...- abanei a cabeça e dei um passo na sua direcção. E foi nesse momento, no momento em que ele se aproximou que as suas palavras saíram de forma tão fria que o meu corpo congelou, fazendo-me paralisar.- não odeias nada...- disse muito baixinho, começando a chorar. Estiquei a mão para lhe tocar e nesse instante, o seu corpo desapareceu. Ele não estava mais ali.

Olhei em volta, estava dentro da minha casa de banho, estava escuro porque não tinha acendido a luz. Arregalei os olhos engolindo em seco e Marvin apareceu-me à frente.
-Estragaste tudo - disse ele com um suspiro - mantém a calma - bateu no meu ombro - Ela vai perceber o que tu és e não vai gostar nada - avisou-me - tem calma - pediu e eu assenti sentando-me na sanita. - Estás branco, parece que... ok, estás a ver um fantasma - revirou os olhos.

Comecei pela sua cama. Desmanchei cada bocadinho que a constituía. Atirei-a contra a parede e fiquei a vê-la desfazer-se e os seus bocados escorregarem pela mesma até encontrarem o chão. Era o seu cheiro, era o seu cheiro que me dava mais e mais vontade de destruir tudo o que estava à minha volta, tudo o que era seu. Direccionei a minha mão para cada objecto seu e destruí-o com um simples cerrar de um punho. Ele era um fantasma. Agora eu percebia. Ele não morreu quando caiu do terraço, ele não se magoava, e a forma como desapareceu de repente só me dava mais certezas. Ele era um fantasma, eu tinha beijado um fantasma. Eu devia tê-lo morto, eu sabia que devia...mas quando o coração fala mais alto do que a cabeça nem a força mais sobrenatural é capaz de mudar isso. Eu estava a destruir o lugar onde estivera agarrada a ele, mais por ele se ter ido embora do que propriamente por ser um fantasma. Eu estava a fazer aquilo de forma tão cega que nem o amor que começava a sentir por ele me conseguiria parar. Ele tinha ido embora.

Levantei-me hesitantemente, não tinha ouvido nada do que Marvin tinha dito com tanto entusiasmo, não conseguia. Ele falava demais e confundia-me. Assim que abri a porta ouvi estrondos e coisas a partirem-se. Não apareci logo, tinha medo do que ela me pudesse fazer, mesmo assim apareci com uma sensação estranha no estômago e ainda com os olhos muito abertos e a tremer.

Já não me faltava destruir mais mas eu não conseguia parar. Os meus poderes estavam mais apurados do que nunca, eu só queria destruir tudo, mesmo o que já estava destruído, eu queria que tudo se resumisse a restos, lembranças, porque ele tinha ido embora, ele tinha ido embora.
- Tu não me odeias, e sabes porquê? Porque sou eu que te odeio, por me fazeres sentir isto ! - gritei como se por magia ele me pudesse ouvir.

Olhei para as minhas coisas engolindo em seco. Ela tinha estragado tudo. Tudo.
-Tu podes mudar isso. - olhei para Marvin e ele encolheu os ombros - imagina. - fez uma careta indo embora, pela porta, o que foi mesmo estranho de ver. Tentei fazer o que ele pediu mas tudo o que consegui fazer foi a cama. Quando tentei de novo, tudo voltou ao normal. Olhei em volta de olhos arregalados e pela maneira como ela olhou para mim acho que me viu.
-Tens razão, eu não te odeio. Mas podia.