Escadaria

Sentei-me nos degraus com Marvin e rodeei as minhas pernas com os meus braços olhando para as pessoas que passavam. Eu sentia-me bem aqui, apesar do hotel ser quase um deserto por causa do mau ambiente que tinha. Havia sempre alguém a tentar matar alguém, mas a mim não podiam fazer-me mal, não sei porque, mas simplesmente não podiam.
-Continuas a pensar que estás sozinho? - perguntou Marvin a interromper os meus pensamentos.
-Sim - disse apenas e muito baixinho.
-Oh por favor Reece, acorda para a morte - olhei-o levantando uma sobrancelha.
-Vai-te embora Marvin - mandei e ele assim fez desaparecendo por completo. Mordi o lábio engolindo em seco, Marvin tinha sido um criminoso que eu matara em legitima defesa e que agora, com a culpa que tinha na consciência ele aparecia-me sempre na cabeça. Estremeci com frio olhando para o relógio. Eram cinco da tarde. Isto acontecia-me sempre à porcaria destas horas, mas depois do ponteiro do relógio mudar para as cinco da tarde e um minuto o meu corpo voltou ao normal fazendo-me reparar numa rapariga loira.
-Tu gostas dela - disse Marvin sem aparecer ao meu lado.
-Cala-te. - pedi continuando abraçado às pernas.

Mais um dia. Mais um estúpido e inútil dia, sozinha, aqui, neste local. Estava um dia sombrio, até podia dizer que chegava a ter frio.
- Fogo, pára! - resmunguei para o vento, como se ele me pudesse ouvir, arranjando o cabelo pela milésima vez. Depois de dar a minha volta pelo jardim decidi voltar para dentro, pois começava mesmo a ficar frio. Eu passeava todos os dias, passava sempre pelos locais onde costumava estar Caitlin. Encontravam-se tão vazios agora, era como se tivessem perdido todo o encantamento que tinham. Esfreguei o braço quando finalmente entrei e meia distraída nos meus pensamentos comecei a subir as escadas, e de tão distraída que estava tropecei numa tábua solta, o que fez desequilibrar e tombar para a frente.
- Oh merd...- ia preguejar quando vi onde tinha caído. Estava no colo de um rapaz. Bufei para o ar e ergui a cabeça para lhe olhar para a face, quando o meu olhar se arregalou. Era...

-Não sei se calo mas olha ela a vir na tua direcção.
-Ela ainda nem me viu sequer.
-Ainda bem - sussurrou perto do meu ouvido. Ouvi o vento e sabia que era ele a desaparecer. Não consegui olhar para outro sítio senão ela. Vi-a a subir e tive que fechar a boca antes que ela reparasse. Abri muito os meus olhos azuis quando a vi desequilibrar e a agarrei nem sei bem como. Fiquei a olhar com a mesma expressão. - Oi

Os meus olhos continuavam arregalados e o meu corpo parecia que tinha parado, como se tivesse ficado congelado de repente.
- Tu...- apontei para ele, movendo o meu indicador quando imagens começaram a surgir na minha cabeça. Eram os mesmos olhos azuis, o mesmo nariz, a mesma boca, era ele. Levantei-me de repente.- Reece.- comecei a murmurar, voltando a desequilibrar-me com os nervos. Agarrei-me ao corrimão e levantei-me com cuidado.- Reece Grant, és tu.- continuei a apontar-lhe o dedo.

Ela estava a falar comigo. Continuei paradinho e a olha-la enquanto ela parecia que tinha visto um fantasma. -sim - murmurei quando ela murmurei quando ela disse o meu primeiro nome e estiquei-me para a agarrar quando se desequilibrou apesar de ela não ter deixado. Levantei-me devagar encostando-me à parede. - sou - disse - tu sabes o meu nome? Como é que sabes o meu nome? - perguntei desconfiado.

Era ele, eu tinha a certeza, eu conseguia lembrar-me de tudo. Era ele, ele vendeu aquilo à minha irmã, ele matou-a.
- Foste tu.- eu estava tão alterada que já nem me lembrava de como se usavam os poderes.- tu vendeste-lhe.- concentra-te Cleo, vá lá, concentra-te.

Semicerrei os olhos enquanto ela falava, não parecia nada bem mas não me aproximava dela, tinha... qualquer coisa que me impedia.
-Eu? O que é que eu fiz? - perguntei ainda encostado à parede.

O meu sangue começou a fervilhar com a sua pergunta. ''O que é que eu fiz?'' A sério que ele me perguntou isso? As minhas mãos estavam fechadas em punho, ele matou a minha irmã. Rangi os dentes uns nos outros e e abri as mãos, esticando os dedos.
- Tu vendeste droga à minha irmã.- aproximei-me dele num impulso, começando a esmurrar o seu peito.- tu deste cabo de tudo.- gritei, continuando. Eu queria que ele sofresse, queria que ele sofresse tanto ou mais do que o que eu sofria.

Encostei-me mais à parede quando a vi aproximar-se, não lhe queria fazer mal, eu gostava dela, sim Marvin tinha razão, eu gostava dela, mas... ela parecia... Olhei-a enquanto me tentava magoar dando murros no meu peito.
-Pára - pedi não por mim mas por ela - Eu não fiz nada. - murmurei sem saber se era verdade, porque eu não me lembrava de nada.

Ouvir a voz dele só me irritava mais. Ele metia-me nojo, nojo. Ele conseguia ser o único humano que me dava vontade de matar. Eu ansiava vê-lo esvair-se em sangue, eu ansiava acabar com ele. Afastei-me e olhei-o furiosa. Apertei as mãos com força e senti a energia dos objectos que levitavam atrás de mim.
- Tu vais pagar-mas, eu juro que vais.- disse de dentes cerrados.

Arregalei os olhos com o coração aos saltos. Nunca pensei a vir ter medo dela, aliás, nunca pensei a vir ter medo de ninguém, mas neste momento estava a ter.
-Não - murmurei começando a escorregar pela parede quando vi as mãos dela - pára - pedi outra vez até ficar encostado à parede parecendo uma bolinha e a proteger a minha cabeça.
Burro, desaparece, assim é fácil. dizia Marvin, mas não lhe respondi.

Continuei com as mãos fechada em punho, fazendo com que os objectos continuassem no ar. O meu olhar estava focado na sua cara e um sorriso vitoriosos apareceu no meu rosto quando o vi todo encolhido e cheio de medo.
- Estás com medo, é? - os meus olhos mudaram de cor, como acontecia sempre.- pois acredita que ainda vais ter muito mais.- movi as mãos, em direcção à parede e os objectos bateram na mesma e despedaçaram-se, caindo no chão, mas sem lhe tocar. Por enquanto só queria assustá-lo. Passei uma mão pela cara e virei-lhe costas antes que o matasse mesmo ali.

-Ai ai eu vou mas é sair daqui - disse Marvin - É melhor desapareceres, ela é uma bruxa e é das boas... - disse desaparecendo de vez. Levantei um pouco a cabeça olhando para ela ao tempo de ver os seus olhos a mudarem. - Eu não fiz nada. - murmurei sem perceber o que se estava a passar e voltei a esconder a cabeça quando ela mandou-me coisas contra a parede mesmo ao pé de mim.

Spoiler:

Dei mais alguns passos até parar, tinha a visão turva. Apoiei-me na parede e respirei fundo. Não vais abaixo agora, não vais, não podes e não queres. Desde a morte de Caitlin que os meus poderes se tornaram mais escassos, como se realmente faltasse parte de mim.
- Tu...- suspirei pesadamente.- sabes muito bem o que fizeste.- virei-me para ele, mesmo distante, agarrada à parede.- e eu vou fazer-te pagar por...- tentei continuar a caminhar, mas algo me prendeu. Engoli em seco.- tudo.- murmurei, começando a andar algo arrastada.

Agarrei-me à parede levantando-me enquanto a olhava ainda meio atónito, confuso e assustado. O que é que eu tinha feito assim de mal?
Vi Marvin a aparecer atrás dela e com um revirar de olhos para mim agarrou-lhe na roupa e foi puxando-a para trás enquanto ela fazia o processo contrário.
-Eu não fiz nada - disse uma última vez antes de deixar de a olhar e subir escadas.

Revirei os olhos com o que ele disse e continuei a tentar andar, mas estava cada vez mais difícil. Parecia que tinha alguma coisa a agarrar-me.
- Sejas o que fores, deixa-me.- gritei.- e tu mataste a minha irmã, foi isso que tu fizeste! - olhei para Reece, vendo-o subir as escadas.- tu mataste-a porque lhe vendeste aquela porcaria, a culpa é tua! - gritei frustrada, começando a chorar mesmo sem querer. Agora que eu precisava mesmo de ir embora continuava presa ao chão. Estava tudo a meu favor.

Parei a meio caminho olhando-a, estava a começar a ficar irritado, eu não tinha feito nada.
-Eu não fiz nada - disse pela milésima vez mas desta vez foi tão alto e com tanta raiva que tenho certeza que se ouviu no fim da rua. Pois.. eu andava com um tom de voz muito estranho. - Deixa-me em paz - nunca pensei dizer isto, porque... eu tinha mesmo um fascínio por ela. Encolhi-me quando a vi a chorar e desta vez quem virou costas fui eu.

Estremeci quando o ouvi gritar e o meu corpo caiu no chão, enquanto as lágrimas continuavam a correr. Agarrei-me aos meus joelhos e escondi a cara nos mesmos, eu não conseguia parar. Lembrar-me de que já não a tinha punha-me neste estado, completamente frágil e desprotegida. Foi então que a minha cabeça começou a doer, como se me estivessem a espetar algo na mesma. Soltei um gemido de dor e tudo aconteceu como sempre. As imagens começaram a surgir, uma atrás da outra. Eu não conseguia perceber muito bem, mas...era um trovão...o hotel...a janela ao pé das escadas...o Reece.- pára! - gritei, em sofrimento.- não podes ir embora.- gritei enquanto as imagens desapareciam aos poucos. Uma luz muito forte tomou conta do céu e eu só tive tempo de trazê-lo para ao pé de mim. Como por magia os meus poderes concentraram-se ao ponto de eu o conseguir trazer para ao pé de mim. E tudo começou a acontecer tal como eu tinha previsto, um trovão atravessou a janela, embatendo no chão e fazendo com que a chama o começasse a consumir. Eu estava fraca, não aguentava muito mais, mas se deixasse o fogo propagar-se morreríamos os dois. Passei as costas da minha mão pela boca e levantei-me agarrada à parede. Não tinha muito tempo. Apontei a minha mão aberta para a chama e fechei os olhos, tentando arranjar a força necessária escondida no meu interior. Demorou minutos, demasiados minutos até eu conseguir, por momentos pensei que não o iria fazer, mas foi quando os meus poderes se concentraram na minha mão e um grito brotou pelos meus lábios que o fogo se apagou, deixando apenas uma pequena marca no chão. Doía, doía tanto. O meu corpo cedeu, os meus olhos fecharam e eu caí no chão.

Ignorei as suas palavras, mas quando estava para subir o último lanço de escadas alguma coisa me impediu. Praticamente me senti voar até ao mesmo piso e vi-a novamente.
-Eu não te fiz nada, larga-me - gritei já no chão a olha-la. Só percebi que algo não estava bem quando vi um trovão e logo de seguida a madeira velha das escadas começar a arder. Olhei-a, estava sem cor e o batom estava esborratado por ter passado a mão pela boca. Encostei-me novamente à parede deixando-a fazer o que quer que estivesse a fazer e tapei os ouvidos quando ela começou a gritar vendo pouco tempo depois o fogo apagado e ela a cair quase em cima de mim. Agarrei-a antes que batesse com a cabeça e passei a minha mão pela sua face. - hei - comecei a dar chapadinhas na cara sem saber o que fazer. Olhei em volta vendo Marvin que revirou os olhos.
-Hei - imitou-me e com um suspiro agarrou nela tipo saco de batatas e levou-nos aos dois atrás dele.

- Mas eu disse que te dava essa semana, por isso vais ter essa semana.- murmurei, levando uma mão à cabeça que doía. Respirei fundo e olhei-o.- porque é que queres tanto morrer? - perguntei muito baixinho, abraçando o meu corpo de novo.

Encostei-me à parede como fazia sempre agarrado às minhas pernas e com Marvin a aparecer-me ao lado descontraidamente e no nosso meio.
-Porque ele quer ver se é mesmo real aquilo que eu lhe digo - respondeu Marvin por mim e eu fiquei sem perceber se ele ela o tinha ouvido ou não, mas a maneira como ele me olhou e se riu fez-me perceber que era mais uma vez a minha cabeça. Abanei a cabeça e passei as mãos pelos olhos - porque eu estou farto de ser um louco. - disse tão baixinho que nem sequer eu me ouvi. - Já te disse.. quero ser livre.

Escondi a minha cara nos joelhos e estremeci quando senti, tal como acontecera na casa de banho, um pequeno vento percorrer o meu corpo. Apertei os meus joelhos contra o meu peito e olhei-o quando falou.
- Tu não és louco.- discordei e gatinhei até ele, olhando-o cmo que a pedir autorização para me aconchegar nele.- mas de qualquer das formas eu já dissse que tia dar uma semana.- ripostei.

Escondi a minha cara nos joelhos e estremeci quando senti, tal como acontecera na casa de banho, um pequeno vento percorrer o meu corpo. Apertei os meus joelhos contra o meu peito e olhei-o quando falou.
- Tu não és louco.- discordei e gatinhei até ele, olhando-o cmo que a pedir autorização para me aconchegar nele.- mas de qualquer das formas eu já dissse que te ia dar uma semana.- ripostei.

Olhei-a quando percebi que tinha ouvido aquilo que eu dissera e acabei por arregalar os olhos. Marvin revirou os olhos e foi aparecer do outro lado mais encostado ao corrimão enquanto ela se aproximava. - Como é que fizeste isso? - perguntei colocando os pés uns degraus mais abaixo e abri os braços.