Jardim

Agarrei-me a uma almofada e suspirei desviando também o olhar quando o fez. Ele era diferente. Provavelmente se fosse outra pessoa a primeira coisa que fazia quando soubesse que eu a queria matar era tentar matar-me a mim primeiro. Mas ele não, ele não parecia sequer importar-se.- sou a Cleo.- murmurei, brincando com os fios soltos da minha almofada.- sou a Cleo.- repeti já só para mim.

Levei a mão à garganta lembrando-me do dia de hoje, quando ela me tentou matar, ou melhor quando ela me fez com que eu me tentasse matar não resultou e depois à minha cabeça que foi onde eu bati quando saltei do hotel e permaneci intacto, apenas com uns ossos deslocados que nem doeram muito a leva-los ao sítio. Estava distraído a pensar quando ela disse o nome dela, mas felizmente ela repetiu.
-Eu... - fechei a boca - tu sabes quem eu sou - revirei os olhos.

Continuei com o olhar fixo na almofada, enquanto brincava com os fios soltos da mesma e assenti.
- Sim, eu sei quem és.- o rapaz que vendeu a droga que matou a minha irmã. Afundei-me na cama e engoli em seco, respirando fundo.- reece? - chamei, sem o olhar.

Encostei a cabeça a uma das paredes e fechei os olhos. Eu adorava quando a minha cabeça conseguia dar-me a volta, eu já não sabia mais o que era real e o que não era. Despertei abrindo os olhos e olhei para ela quando me chamou.
-Diz.

Okay,secalhar eu não o queria matar. Não por agora. Mas para isso, precisava mesmo de saber se ele continuava a mesma pessoa.
- Tu...- olhei-o, admirando-me com o azul dos seus olhos.- ainda vendes, ahm, droga?- suspirei, só aquela palavra dava-me arrepios.

Admirei-me com a sua pergunta e encolhi-me mais, eu vendia, sempre vendi, é o que dizem. Mas já não consumia e quando as pessoas passavam por mim na rua diziam que estava com melhor aspecto e até ficavam bastante satisfeitas e admiradas comigo.
-Vendo.

E a resposta que eu mais temia foi a única que ele me deu. Vendo. Passei as mãos pelo cabelo e levantei-me chateada.
- Tu não podes vender isso, será que tu não percebes? - andei de um lado para o outro no quarto.- isso faz mal às pessoas. E eu não te quero matar.- admiti, indo sentar-me na sua cama.- quer dizer, eu devia querer, e talvez ainda queira, mas eu não quero, percebes? - olhei-o muito atenta.

Ouvi tudo o que tinha a dizer e via a sentar-se perto de mim enquanto me olhava.
-Eu tenho que o fazer - disse olhando-a também - apenas isso. - engoli em seco.
-E sabes porquê? Porque os fantasmas que morreram no hotel não têm descanso - olhei para Marvin que apareceu apenas para mim e baixei o olhar para as minhas mãos que brincavam com os meus dedos. - Não, não percebo! Tu ou queres ou não queres, ou então não queres e tens que o fazer. É tão simples quanto isso.

Abanei a cabeça com os dentes cerrados e levantei.
- Não! - gritei.- tu não podes nem tens de o fazer.- semicerrei os olhos e fiz com que a sua cama se elevasse.- tu matas pessoas a fazer isso, percebes? - continuei a gritar.- tu mataste a minha irmã com essa merda, e aposto que não foi a única pessoa.- fiz com que a sua cama caísse de repente no chão. Os meus olhos tornaram-se vermelhos, e os meus cabelos estavam a esvoaçar com o vento.- queres saber qual é a minha resposta, queres Reece Grant?! - a minha voz estava diferente, assustadora.- eu quero e vou matar-te.- rugi.- és um homem morto.

Arregalei os olhos quando a minha cama caiu no chão e olhei-a um bocado assustado enquanto via os olhos dela a mudares de cor. Engoli em seco depois de fechar a boca e fechei os punhos agarrando na almofada. - Eu não posso parar - disse num tom de voz normal. Encostei-me à parede por instinto com o tom da sua voz e fechei os olhos à espera que ela me matasse.
-Estás louco? Sai daí seu... Meu, ela vai-te torturar - Marvin tentou puxar-me mas não conseguiu porque estava invisível para ela, logo não podia tocar em nada. - Desaparece meu ganda burro - gritou mas eu continuei parado a olha-la. À espera que fizesse alguma coisa e com o suor a cair-me da testa.

Uma corrente de ar entrou na casa e fez com que a janela se fechasse de repente. Os meus olhos continuavam a mudar de cor e eu continuava concentrada nele.- cala-te.- gritei-lhe, partindo uma das pernas da sua cama. Apesar de as janelas se encontrarem fechadas, o vento continuou a percorrer toda a casa e consequentemente o meu cabelo continuou a esvoaçar ao sabor do mesmo. Era como se o vento me estivesse a ajudar a torturá-lo.- tu vais pagá-las.- nada mais se ouviu a não ser o eco da minha voz e de repente todas as luzes se apagaram, terminando de novo com o meu feitiço.

Ouvi Marvin a dizer algo, mas de repente começou a ficar tanto frio que eu só me importei em me encolher para ver se aquecia enquanto passava as mãos pelos meus braços.
-Pára - pedi - por favor - continuei com todo o meu corpo e até voz a tremer. O meu cérebro parecia congelado, tão congelado que doía. Olhei em volta quando ficou escuro e o frio cessou por completo. Mas eu ainda não me conseguia mexer por isso, antes que ela fizesse alguma coisa fiquei completamente parado a olha-la com os olhos muito abertos.

Os meus olhos abriram-se e olharam em redor.
- Tu não podes matá-lo Cleo.- ouvi uma voz sussurrar-me. Eu conhecia aquela voz, era melodiosa, tal como a de...Caitlin.- ele não foi o culpado, a culpa não foi dele.- ela murmurou antes de desaparecer por completo. A minha cabeça estava a latejar, parecia que o feitiço se tinha virado contra o feiticeiro. O meu corpo gritava por socorro e os meus olhos chegavam a revirar com tanto sofrimento. Eu só queria que tudo parasse.

Senti Marvin a abanar-me para eu acordar.
-Acorda e fujo enquanto tens tempo, eu e os outros conseguimos juntar energia e... - olhei para ela percebendo que estava em sofrimento e levantei-me de repente agarrando no corpo dela antes que caísse no chão.
-Deixem-na - mandei.
-Mas... - tentou Marvin e eu apenas o olhei. - Deixem-na. - mandou aos outros desaparecendo. - só queria ajudar... desculpa. - suspirei ouvindo o som do vento e toquei-lhe na cara.
- Cleo - murmurei para assegurar que ela estava acordada.

O meu corpo não conseguia reagir, a dor estava a dominá-lo por completo. A minha respiração estava descompassada, aliás, eu não conseguia respirar. Era como se agora fosse eu a ter uma mão a asfixiar-me na garganta. Levei uma mão à mesma e abri os olhos, vendo Reece junto de mim.
- Dói.- murmurei enquanto o ar me faltava.- acaba com isto, por favor.

Arregalei os olhos com o que ela disse - Eu não estou a fazer nada - disse vendo-a a ficar vermelha. Olhei em volta tentando encontrar Marvin e gemi com a dor de cabeça causada pelas vozes que não paravam de falar. -Calem-se - gritei e assim que fiz elas calaram-se - parem isto, deixem-na em paz - pedi
-Não deixo, ela está sempre a tentar magoar-te e tu deixas Reece. - Gritou Natalie para comigo. Abanei a cabeça agarrando em Cleo e levando-a para a cama deixando a cabeça dela em cima das minhas pernas. - Queres mesmo que eu pare? - assenti à sua pergunta - está bem... eu paro, mas quando te meteres numa embrulhada tão grande por não te queres proteger não contes mais comigo. - disse. Estremeci com o vento que ela fez ao sair dali e vi a cor de Cleo voltar ao normal.

Olhei Reece durante apenas mais uns segundos até que os meus olhos se fecharam. Todo o oxigénio que tinha estava a abandonar o meu corpo, mas de forma tão dolorosa que nunca pensei vir algum dia a sentir. De repente, como por milagre, a pressão sobre a minha garganta deixou de existir e a sensação de asfixia desapareceu. Os meus olhos abriram-se de repente e o meu corpo procurou por oxigénio a todo o custo. Reece estava ali, comigo e eu não conseguia parar de pensar no que Caitlin me dissera. Ele não tinha culpa. Teria sido mesmo ela?

Suspirei quando a vi respirar e fechei os olhos durante uns segundos.
-Cleo - voltei a chamar agarrando-lhe na cabeça e fazendo com que ela me olhasse - consegues ouvir-me? - perguntei olhando-a.

Assenti à sua pergunta, mas continuei em silêncio. Eu estava oficialemte assustada. Apenas fixei o meu olhar nele enquanto tentava recuperar de tudo isto. Agarrei no seu braço e soltei um grito quando ouvi o fechar de uma porta. Incoscientemente e completamente aterrorizada, agarrei-me a ele, enterrando a minha cara na sua barriga.

Abri muito os olhos surpreendido com o que ela estava a fazer e puxei-a para cima abraçando-a. O coração dela estava a mil, parecia que conseguia entrar dentro dela e senti-la. Oh, eu estava a tocar-lhe, melhor, eu estava a senti-la. Fechei os olhos por momentos e quando os abri pensei que era melhor afasta-la, ela ainda me tentava matar... mas não o fiz.
-Uma bruxa não deve ter medo de nada - disse.

Abracei-o com força e escondi a minha cara no seu pescoço, subindo para o seu colo e rodeando a sua cintura com as minhas pernas. Eu estava completamente apavorada e naquele momento aquele abraço parecia ter sido o melhor que me poderiam alguma vez ter feito.
- Talvez eu não seja uma bruxa como deve de ser.- murmurei abafada pelo seu pescoço.

-Ele está corar? - ouvi cochichos.
-Acho que sim.
-Não, ela está a sufoca-lo, ele está ficar vermelho. - Marvin arregalou os olhos e veio ter comigo. Abanei a cabeça e ignorei-os tentando acalmar as minhas hormonas de homem
-És - contrariei-a todo arrepiado.

- Dizes isso porque já usei os meus poderes para supostamente te matar duas vezes? - continuei abraçada a ele. Fechei os olhos e senti as minhas pestanas acariciarem o seu pescoço (muuuihihihi).- ela disse-me para eu não te matar.- sussurrei.- a Caitlin disse-me que não tinhas culpa.

-Não - disse fechando os olhos quando senti as pestanas dela nos meus olhos. Engoli em seco quando falou na suposta irmã - Eu tentei dizer-te - disse baixando o olhar.
-Eu não acredito que ele está a abraçar uma bruxa - ouvi Marvin completamente chocado e sorri levemente.
-De que é que tens tanto medo? - perguntei e ouvi as portas a fecharem-se sentindo também que estava sozinho e no fundo... sentia-me triste. Eles nunca me tinham deixado sozinho.

Estremeci quando ouvi as portas fecharem-se de novo e encolhi-me no seu abraço. Eu sentia-me agora uma criança muito pequenina, insegura e indefesa.- eu tenho medo de nunca conseguir vir a ser uma bruxa a sério, tenho medo do que possam ser estes ataques.- suspirei.- há algo que me anda a impedir de terminar os feitiços.